DEPOSITANDO O ESTORVO. Por Pr. Nathaniel M. Brandão jr.

DEPOSITANDO O ESTORVO

Pr. Nathaniel M. Brandão jr.

Levei algumas bênçãos que Deus colocou em minhas mãos para velhinhos e velhinhas daquele asilo.

Naquele frio lugar percebi uma frieza intensa e em tristeza inenarrável, recheada de indiferença,
alinhada na dura e verdadeira finalização da vida humana: a insensibilidade na velhice..

Muitos, que ali estavam, nunca receberam visitas de um filho ou de um neto. Melancolia.
Entreguei as doações novinhas além de apetitosas guloseimas.
Meu sentimento era cultuar a Deus, louvando e engrandecendo ao Pai
pelo privilégio de orar com eles, por eles e para eles. Emoção.

Ao descer as escadas, saindo da lugar pseudamente chamado de “Recanto dos Velhinhos e da Paz”,
observei um casal de meia idade carregando um idoso alquebrado,
o qual apresentava um olhar de tristeza imensa e angústia de alma.
As lágrimas em seu rosto rolavam mas ele não dizia uma palavra, não murmurou.

Como uma caixa de correio o velhinho foi depositado naquele lugar como uma mercadoria, um lixo, um estorvo.
Ouvi quando o chamaram de Estevão. Ele foi deixado no alpendre do frio lugar.
O funcionário empurrou Estevão, em sua cadeira de rodas para dentro do pseudo "recanto".
Diego, o filho de Estevão, e sua esposa, retornaram ao Mercedes Bens, esportivo, zero KM
e voltaram ao lugar de onde vieram. Deixando no tal "recanto" o “estorvo”, o problema.

DEPOSITOU O QUE ESTAVA ATRAPALHANDO SUAS VIDAS semeando a misantropia
no coração de um ser humano em estado de languidez e tristeza.
Mas aquele filho ingrato e sua esposa não estavam nem ai neste sentido.

Ingratidão e falta de reconhecimento sobejavam.

Dia dos pais de 2016. Leio e reflito em o que significa ser pai
num poema que roda pela internet sem autor nominado.

Ser pai - É acima de tudo, não esperar recompensas -
Mas ficar feliz caso e quando cheguem.
É saber fazer o necessário por cima e por dentro da incompreensão.
É aprender a tolerância com os filhos e exercitar a dura intolerância com seus erros.

Ser pai
É aprender errando, à hora de falar e de calar.
É contentar-se em ser reserva, coadjuvante,
deixado para depois, mas jamais falar no momento preciso.
É ter a coragem de ir adiante, tanto para a vida quanto para a morte.
(que para ele significa finalmente viver)
É viver as fraquezas que depois corrigirá no filho.
Fazendo-se forte em favor do ingrato filho.

Ser pai
É aprender a ser contestado e humilhado mesmo quando no auge da lucidez.
É saber que experiência só adianta para quem a tem, e só se tem vivendo.
Portanto, é aguentar a dor de ver os filhos passarem sem reconhecer o
valor desta experiência e, pelos sofrimentos necessários,
buscando protegê-los sem que percebam para que consigam descobrir os próprios caminhos.

Ser pai
É saber e calar. Fazer e guardar. Dizer e não insistir. Suportar a indiferença.
Falar e dizer. Dosar e controlar-se. Dirigir sem demonstrar e sofrer.
É ver dor, sofrimento, vício, queda e tocaia, tocaia e ingratidão.
Jamais transferindo aos filhos o que a alma lhe corrói.
É jamais transferir aos filhos a quota da imperfeição que o pai tem.
O seu lado fraco, desvalido e órfão reconhecer e a Deus rogar perdão.

Ser pai
É aprender a ser ultrapassado mesmo lutando para se renovar: ele não
tem interesse e não consegue aprender a usar Wathssap.
É compreender sem demonstrar e esperar o tempo de colher ainda que não seja em vida terrena.
Ser pai é aprender a sufocar a necessidade de afago e compreensão,
mas ir às lágrimas quando chegam, mesmo em estado de prostração intensa.

Ser pai
É saber ir-se, apagando, à medida que mais nítido se faz na personalidade do filho,
porém sempre como influência, jamais como imposição.
É saber ser herói na infância, exemplo na juventude, e ser amigo na idade adulta
do filho mesmo não sendo retribuído. É saber brincar e zangar-se sozinho e interiormente, aguentar calado.
É formar sem modelar, ajudar sem cobrar e ensinar sem o demonstrar, sofrer sem contagiar,
amar sem receber e sem esperar nada em troca; aceitar a ingratidão mesmo em lágrimas na alma.

Ser pai
É saber receber raiva, incompreensão, antagonismo, atraso mental, inveja sem retribuir
e nesta projeção de sentimentos negativos, ódios passageiros,
revolta, desilusão, não reagir e, apesar de tudo, responder com capacidade de prosseguir sem ofender,
de insistir sem mediação, certeza, porto, balanço, arrimo, ponte sempre à disposição.
Ser pai é a mão que abre a gaiola, amor que não prende, fundamento, enigma, pacificação

Ser pai
É atingir o máximo de angústia, no máximo de silêncio e neste máximo
de convivência no máximo de solidão é, enfim, colher a vitória
exatamente quando percebe que o filho a quem tanto ajudou a crescer já, dele,
não necessita para viver e pode caminhar sozinho.
Então ser pai é quem se anula na obra que realizou e sorri por tudo haver feito
para deixar de ser importante e tornar o filho importante, se negar.

Ele então descobre como ser PAI e ver o filho se tornar PAI
começando um novo CICLO DA VIDA e passar por todas as experiências que vivenciou ao formar um homem de bem e do bem.
Então o ingrato filho descobre no avô o que a vida lhe proporcionará nesta “longa estrada da vida.”
"Tudo que o homem semear isto também ceifará." (Gálatas 6.7)

Mas o vovô Estevão, agora alquebrado pelo corpo, mortificado, em luto emocional e cardíaco,
já desgastado, esmorecido pelas forças que se foram e na soturnidade
e desesperança viaja pelo tempo dos humanos
e revê, num relance o velhinho Mateus, entrando no “Recanto dos Velhinhos”
e sabe que não será depositado – embalado – num ato desumano,
degradante e num padecimento de alma.
Como estou tratando meu pai?
"Honra o teu pai e a tua mãe para que se prolonguem os dias que o SENHOR lhe dá."
Respeito.

EXTRAÍDO :

Pr. Moisés Barboni Castorino Brandão